Livros didáticos que utilizam unicamente o discurso jornalístico como exemplo de textos argumentativos podem prejudicar a capacidade dos alunos em argumentar, sustentar argumentos e expressar pontos de vista. É o que revela um estudo desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP que analisou o modo como a argumentação é tratada nos livros didáticos de escolas públicas do ensino médio de Ribeirão Preto, além de textos dissertativo-argumentativos produzidos por estudantes do terceiro ano do ensino médio que frequentam essas escolas.
A pesquisa mostrou que os estudantes não têm acesso à teoria de argumentação e os livros didáticos trazem como exemplo de argumentação textos de jornais e revistas, que normalmente expressam opiniões. Esse contato exclusivo com o discurso jornalístico induziu os estudantes a elaborarem redações em que reproduziam a opinião dos jornalistas.
Para chegar a essa análise, a autora do estudo, a pedagoga Noemi Lemes, selecionou quatro livros didáticos de língua portuguesa. Desses, apenas um trazia alguns apontamentos sobre um dos conceitos presentes em uma das teorias da argumentação. Esse conceito era o silogismo, em que se chega a uma conclusão após a análise de algumas premissas. Nos demais livros, foram encontradas notas sobre as características de textos jornalísticos apresentados como exemplos de textos argumentativos.
Reprodução de opiniões
De acordo a pedagoga, a ausência de uma teoria da argumentação e a imposição do discurso jornalístico pelo livro didático faz apenas a reprodução das opiniões e dos sentidos trazidos pela mídia. "O que a gente defende é que não deve circular apenas texto jornalístico dentro da escola. Ele também é um texto que deve ser usado, mas ele não dispensa a teoria e não pode ser o único tipo de texto a ser usado dentro da sala de aula, principalmente dentro da escrita argumentativa".
Segundo a pesquisa, os órgãos de imprensa que possuem textos mais presentes nos livros didáticos são as revistas Veja, Época e Superinteressante, além de jornais, como a Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo. Neles, não se encontram nada da mídia que não seja tradicional, nem de movimentos sociais.
Noemi afirma que textos científicos também deveriam ser usados para constituir o aluno como formador de opinião, pois, normalmente, o estudante é exposto a apenas uma opinião, enquanto que o correto seria o aluno ter contato com textos acordes e discordes. "Por exemplo, se o assunto é o aborto, o aluno deveria ter contato com leis, para que ele interaja com textos de leis, com textos científicos sobre o aborto, que são mais acadêmicos e o jornalístico também. Dessa forma, o estudante entraria em contato com uma diversidade de opiniões, uma diversidade de sentidos produzidos sobre o determinado tema", diz a pedagoga.
Ela defende a argumentação não apenas para que o aluno possa produzir um texto bom, pensando no vestibular. A argumentação, defende, "não deve circular apenas na disciplina de língua portuguesa, ela é um conhecimento importante até para a formação do aluno enquanto sujeito crítico atuante no meio político, no ambiente social; a argumentação deve ser entendida como um direito do sujeito".
A pesquisa Argumentação, Livro Didático e Discurso Jornalístico, Vozes que se Cruzam na Disputa pelo Dizer e Silenciar foi apresentada, em julho deste ano, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FFCLRP, sob orientação da professora Soraia Maria Romano Pacífico.
Fonte: Agência USP
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