Os argentinos vão às urnas hoje para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado, em uma disputa que definirá o novo mapa eleitoral do país e o tamanho da base parlamentar com que a presidente Cristina Kirchner contará nos dois últimos anos de mandato. A expectativa é de que o resultado seja semelhante ao das Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), de agosto, que sinalizaram derrota governista em regiões estratégicas, mas com a manutenção de uma estreita maioria kirchnerista no Congresso (veja o infográfico). Nesse cenário, partidos e candidatos usam a disputa legislativa como pano de fundo para iniciar a corrida à Presidência, em 2015. "As legislativas servirão para saber com quantos recursos os concorrentes e seus aliados contam para competir em 2015. Diria que essas eleições são uma espécie de pré-2015, e que a companha presidencial começará no dia seguinte", avalia Diego Reynoso, cientista político da Universidade San Andrés, na capital argentina. A Província de Buenos Aires (que não inclui a capital) é o principal palco da disputa: sozinha, ela concentra 37% do eleitorado nacional. A briga lá é entre Sérgio Massa, ex-chefe de Gabinete de Néstor Kirchner e candidato à Câmara pela coligação opositora Frente Renovadora (FR), e Daniel Scioli, governador da província e cabo eleitoral de Martín Insaurralde, candidato a deputado pela governista Frente para a Vitoria (FPV). Scioli tomou a frente da campanha kirchnerista na ausência da presidente - que se recupera em repouso absoluto de uma operação para drenagem de um hematoma no cérebro - e é cotado para concorrer à sucessão de Cristina. As chances de que a mandatária pleiteasse a segunda reeleição foram descartadas diante do resultado das primárias, já que é necessária uma maioria de 70% para emendar a Constituição. Marcelo Camusso, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade Católica Argentina (UCA), avalia que a participação do governador na campanha e a retirada da presidente "consolidaram suas aspirações presidenciais". O analista, porém, ressalta que os mesmos fatores, além do desgaste do kirchnerismo, fortalecem outros nomes que concorrem nas legislativas e podem reaparecer em 2015. No próprio núcleo governista, Reynoso aponta o governador de Entre Ríos, Sergio Urribarri, como outra opção. Ameaça
Enquanto a campanha governista defende os feitos do casal Kirchner e promete "desenvolvimento", Massa, que aparece em primeiro lugar (24,3%) na sondagem da consultoria Raúl Aragón & Associados sobre nomes mais populares para 2015, toca em temas sensíveis para a Casa Rosada. Na campanha para a Câmara, o dissidente kirchnerista e atual prefeito de Tigre promete combater a inflação e o aumento da violência. Seu discurso se endereça aos eleitores descontentes com o governo e aos simpatizantes do Partido Justicialista (peronista), o mesmo de Cristina. "Massa tem muitas chances de reconstruir e alterar a coalizão kirchnerista com um peronismo mais de centro-direita. Ele disputará o apoio dos aliados do kirchnerismo e de outros partidos", observa Reynoso. Após anos de uma oposição fragmentada, sem um nome apto a confrontar os governistas, Massa saiu das primárias como vencedor na Província de Buenos Aires, com 34% dos votos, despontando como opção para disputar a Casa Rosada. Segundo a imprensa local, a campanha da FPV teria sido orientada a combater o avanço do concorrente. "Insaurralde não tem projeção nacional e foi o candidato que o kirchnerismo encontrou para tentar neutralizar os votos de Massa, pois os dois têm perfil similar", explica o estudioso da Universidade San Andrés. O candidato opositor deve chegar à casa de 42% na eleição de hoje e pode acumular quase 10 pontos percentuais à frente de Insaurralde, segundo pesquisa da Raúl Aragón & Asociados divulgada pelo site Infobae. Para Camusso, a concretização dessa vantagem deve ser observada para que projeções mais precisas sejam feitas. "É prematuro imaginar de forma clara como será o cenário de 2015. Embora esteja muito próximo, considerando a situação política e econômica atual, está longe", ponderou. Congresso em forte disputa Brasília - Com o resultados das primárias de agosto prenunciando um desempenho pouco satisfatório da coligação govenista Frente para a Vitória (FPV) nas eleições legislativas de hoje, a presidente Cristina Kirchner corre o risco de perder o controle do Congresso. Analistas ouvidos pelo Estado de Minas acreditam que o resultado deve ser semelhante ao de dois meses atrás e apostam que a briga pelo controle do Legislativo será apertada. Marcelo Camusso, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade Católica Argentina (UCA), sustenta que, na Câmara dos Deputados, a situação da FPV é mais favorável. O bloco tende a manter o controle por uma margem estreita. Metade das 257 cadeiras estará em disputa, e o estudioso explica que a parcela kirchnerista- 48, de um total de 136 vagas que serão renovadas pelos eleitores - é pequena e "não afeta sua condição". No Senado, porém, Camusso acredita que é maior o risco de reviravolta. Hoje, a Cidade Autônoma de Buenos Aires e as províncias de Chaco, Entre Ríos, Neuquén, Río Negro, Salta, Santiago del Estero e Tierra del Fuego elegerão três representantes cada. A bancada governista renovará 15 de um total de 41 senadores. "A derrota eleitoral para a qual o governo parece caminhar coloca fim ao projeto de reeleição da presidente, que requereria modificar a Constituição, e complica sua governabilidade nos próximos dois anos", avalia Camusso. O estudioso avalia que, para recuperar apoio, a presidente teria de "oxigenar o gabinete" e "redirecionar algumas das principais políticas". No entanto, ele salienta que há "grande incerteza" sobre o que pode ser feito devido ao estado de saúde de Cristina, que se recupera de uma cirurgia no cérebro. Eduardo Sartelli, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas em Ciências Sociais, de Buenos Aires, atribui a queda do apoio aos candidatos governistas à frágil situação econômica e à piora da qualidade de vida no país. Ele acredita que, caso o kirchnerismo perca o controle do Congresso, Cristina passará a governar por decretos de urgência, previstos em um pacote de leis aprovado no início do mês. "Cristina tem dois anos para gastar e manter a situação atual, deixando a bomba fiscal para o próximo governo." (GFV)
Fonte: Estado de Minas