Ainda causam estranheza as imagens do formigueiro humano, dentro de uma vala gigante, percorrendo escadas improvisadas em meio à lama. Os dramas, as disputas, a busca por riqueza e as decepções que marcaram a história do maior garimpo a céu aberto do mundo estão bem retratados no filme recém-lançado Serra Pelada. A realidade conflituosa do local, entretanto, não se encerra nos arquivos históricos que serviram de suporte para a obra cinematográfica. Hoje, 22 anos depois que o governo fechou a mina, localizada no Sul do Pará, e a poucos meses de ser reaberta, o clima é de guerra. A parceria firmada entre garimpeiros e a empresa canadense Colossus com o objetivo de explorar a jazida, em uma operação que envolve bilhões de dólares, resvalou para acusações de lavagem de dinheiro, suborno, corrupção e fraudes contratuais. Na semana passada, a pedido do Ministério Público (MP) local, a Justiça determinou a intervenção da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), que desde 2007 participa, em parceria com a Colossus, da joint venture formada para explorar a mina. Segundo Nelson Medrado, procurador de Justiça no Pará, a intervenção foi necessária porque as últimas eleições para a diretoria da entidade não foram legítimas. Ela afirma ainda que há suspeita de venda de carteiras de associados, dívidas trabalhistas forjadas artificialmente e transações financeiras suspeitas detectadas pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf). Vítor Albarado, presidente eleito da Coomigasp, defende que o pleito ocorreu com a participação de mais de 90% dos associados, seguindo todas as regras necessárias. Os problemas, segundo ele, ocorreram na gestão anterior. "Havíamos pedido uma intervenção quando descobrimos que a diretoria passada tinha recebido dinheiro da Colossus, ao mesmo tempo em que o contrato foi mudado, ampliando as ações da empresa de 51% para 75% e reduzindo a parte dos garimpeiros de 49% para 25%. Conseguimos tirar a diretoria fraudulenta e fizemos eleições. Um ano atrás, quando ocorreu toda a bandalheira, não fizeram nada. Agora vem essa intervenção?", questiona Albarado. Para Medrado, a versão é uma meia verdade. "Como esse contrato foi alterado é uma coisa que realmente precisamos saber. Por isso, pedimos a intervenção. Mas não existe diretoria eleita de forma legítima. O que há, nessa cooperativa é uma guerra histórica de dois grupos que se alternam no poder. Com a operação de extração marcada para começar em cinco meses, sabemos que os conflitos violentos aumentarão na região. É isso o que queremos evitar." A empresa Colossus, por meio de sua assessoria de imprensa, confirmou que o contrato inicial, de 2007, definia a parceria de 51% para a empresa e 49% para a cooperativa. Dois anos depois, o acerto foi atualizado, diz a nota, para que a cooperativa ficasse desobrigada de qualquer investimento, restando à multinacional a responsabilidade técnica e financeira pela implantação do projeto. "Essas modificações acionárias foram aprovadas em assembleia geral da cooperativa realizada em 8 de novembro de 2009", completa o comunicado, acrescentando que a ata da aprovação está registrada na Junta Comercial do Pará. Sem mencionar a investigação do Coaf, que verificou quase R$ 200 milhões saindo da Colossus para contas pessoais de pessoas ligadas à cooperativa, a mineradora afirmou, também via assessoria de imprensa, que faz pagamentos mensais de R$ 350 mil referentes a adiantamentos definidos em contrato. "A Coomigasp solicitou formalmente à Colossus Mineração que os repasses fossem depositados em contas indicadas pela cooperativa", porque "tinha todas as contas bancárias bloqueadas por diversos processos judiciais". Em 2009, depois que o Coaf comunicou a movimentação suspeita ao MP do Pará, foi ajuizado um termo de ajuste de conduta (TAC) para que os depósitos se dessem em juízo. O total de repasses, desde o início da parceria, é de cerca de R$ 50 milhões, segundo a Colossus.
Fonte: Estaminas