Autoridades investigam suspeita de "rachadinha" em venda de jogador

Autor: Redação Pop Mundi

Fonte:

25/05/2020

Entre os contratos investigados no Cruzeiro pela Polícia Civil de Minas Gerais, com acompanhamento do Ministério Público do Estado, está o contrato da transferência do lateral-direito Mayke ao Palmeiras. A venda, sacramentada em dezembro de 2018 pela Raposa, é alvo de investigação sobre como se deu a transferência dos direitos econômicos do jogador.

A investigação da Polícia Civil ainda não teve uma conclusão, mas é investigado se houve alguma irregularidade no momento da venda do jogador, em 2018. O Palmeiras, clube que recebeu Mayke, não figura como suspeito no inquérito, conforme informado à reportagem.

O pedido do contrato da venda de Mayke foi feito pela Polícia Civil ao Cruzeiro em 5 de fevereiro deste ano, requisitando o acordo realizado pelo clube com eventuais parceiros pelos direitos econômicos do jogador. O pedido veio depois da ADS Engenharia e Construções LTDA, que briga no Tribunal de Justiça de Minas Gerais pelo recebimento de valores em relação ao percentual (30%) de Mayke, entregar o acordo que dividia os direitos entre a empresa e o Cruzeiro. A empresa de engenharia não está sob investigação no caso.

Em documento anexado em 4 de fevereiro deste ano, em que o Palmeiras figura apenas como um terceiro e não como réu no processo, o clube mineiro informou que pretendia produzir prova oral para "elucidar como se deu a negociação da venda do jogador; as partes envolvidas; terceiros interessados; nulidades; eventuais fraudes, que inclusive estão sendo atualmente apuradas pela Polícia Civil".

A investigação sobre este contrato ainda não teve um desfecho, assim como todo o inquérito aberto na Polícia Civil e no Ministério Público de Minas Gerais para investigar irregularidades na última gestão cruzeirense. Entre os crimes apurados no clube, segundo o MPMG, estão falsidade ideológica, de documentos, apropriação indébita, organização criminosa e lavagem de dinheiro. O representante oficial do lateral, Fábio Mello, prestou depoimento dentro do inquérito, mas não foi citado na investigação.

O imbróglio do contrato e da venda

A última decisão na Justiça sobre o pagamento dos 30% de Mayke à empresa de engenharia foi a penhora do valor de R$ 5 milhões, determinado pelo juiz, a ser depositado em juízo. O Palmeiras, alegando dificuldade no fluxo de caixa, requisitou o parcelamento em 10 vezes do valor e teve o pedido deferido. A ADS Engenharia entrou com pedido tutelar requerendo o depósito total, mas a Justiça indeferiu. Três parcelas, cada uma de R$ 500 mil, já foram depositadas. A última foi anexada ao processo na última terça.

O pedido do Cruzeiro para produzir prova oral sobre a negociação havia sido aceito, e a audiência marcada para 27 de maio. Entretanto, por causa da pandemia do novo coronavírus, a sessão foi cancelada e ainda não tem nova data.

Mayke foi vendido ao Palmeiras por 3 milhões de euros (R$ 14.576.100,00), de forma antecipada, em negócio sacramentado em setembro de 2018. Do montante, R$ 8 milhões seriam pagos ao Cruzeiro, que detinha 70% dos direitos econômicos. Entretanto, todo o dinheiro cruzeirense já estava comprometido no momento da venda, por causa de uma dívida do clube com empresário Giuliano Bertolucci. O caso foi contado pelo GloboEsporte.com em 2019. 

O valor arrecado pelo Cruzeiro no empréstimo era buscado para quitar obrigações trabalhistas (depósito de FGTS, por exemplo) com o elenco profissional e, assim, evitar que alguns jogadores recorressem à Justiça para rescindir o contrato. Isso em um momento crucial da temporada 2018, com a disputa da semifinal da Copa do Brasileiro contra o próprio Palmeiras.

Segundo apurou a reportagem, na estadia da delegação em São Paulo para a primeira partida da semifinal, o então vice-presidente de futebol da Raposa, Itair Machado, teria procurado Bertolucci para um empréstimo de R$ 8 milhões, dinheiro que seria utilizado para pagar impostos atrasados. O "contrato de mútuo" foi assinado entre as partes em 28 de setembro.

Sobre a suspeita de irregularidades no contrato e o pagamento de comissões, Itair Machado foi ouvido pela Globo e disse que nada foi provado e que nada aconteceu. O dirigente ainda afirmou estar sendo perseguido politicamente. 

- Sobre o possível recebimento de comissão por empresários, posso garantir ao torcedor que isso não aconteceu. As investigações irão comprovar tudo. Para indiciar alguém, é necessário comprovar algum crime, e isso tenho certeza e será provado que não cometi. Fui e estou sendo vítima de uma briga política e poder de um clube que já estava em dificuldades financeiras.

Bertolucci conversou com o Palmeiras e teria confidenciado a situação da Raposa. Sabedora da situação, a diretoria do clube paulista procurou o Cruzeiro e se mostrou interessada em comprar Mayke antes do término do empréstimo, que iria até 31 de dezembro, mas por um valor menor. No contrato de cessão temporária, os 100% dos direitos econômicos do jogador estavam fixados em 4 milhões de euros. O clube paulista, então, obteve um desconto de 1 milhão de euros, se valendo da urgência celeste em obter grande quantia de dinheiro à vista. Pagou 3 milhões de euros (R$ 14.576.100,00).

Com direito a 2,1 milhões de euros, equivalente a R$ 8 milhões, o Cruzeiro aceitou a negociação e repassou todo o valor a Bertolucci como forma do pagamento de empréstimo, em contrato datado de 2 de dezembro de 2018, mesma data em que o contrato de venda do atleta foi firmado entre os clubes. O Palmeiras parcelou de três vezes o pagamento ao empresário, todas em 2019: em abril e julho (R$ 2,7 milhões cada uma) e em setembro (R$ 2,6 milhões).

Ainda na negociação, o Cruzeiro firmou contrato com a empresa Jeo Rafah Sports Eireli, cujo sócio administrador é Felipe Costa Isidoro, filho do empresário Carlinhos Sabiá, que tinha fortes relações com a diretoria passada. Pelos "serviços de intermediação" na venda de Mayke, a Jeo Rafah teve direito a 10% do valor da venda. Ou seja, R$ 800 mil, cujos pagamentos foram acertados em duas parcelas, em setembro e outubro de 2018.

Vale lembrar que a empresa de Sabiá não tinha cadastro de intermediação na CBF quando firmou o contrato de comissão com o Cruzeiro, algo obrigatório para receber valores de omissão. O agente chegou a garantir que, quando recebeu os valores da Raposa, a empresa já tinha cadastro realizado.

No relatório da Kroll Consultoria, que investigou contratos e documentos do Cruzeiro entre dezembro de 2017 e dezembro de 2019, é apontado pagamento de R$ 13 milhões a agentes intermediários sem cadastro na CBF.

Na época da reportagem, o empresário Giuliano Bertolucci informou, por meio de sua assessoria, que não teceria comentários sobre seus negócios, mas que tinha um crédito a receber do clube, "não tendo interferência na relação da negociação" da venda de Mayke.

- O empresário Giuliano Bertolucci não fala de suas relações comerciais, porém, para esclarecimento e por respeito à pergunta, deixa claro que tinha um crédito a receber com o Cruzeiro, que indicou a forma de pagamento através de um crédito que o clube tinha em uma negociação com uma outra equipe, não tendo nenhuma interferência na relação da negociação entre as duas agremiações.

Os 30% restantes da negociação - equivalentes a R$ 6.576.100,00 - ficaram na mão de Carlos Alberto Oliveira Fedato, conhecido no mundo do futebol como Beto Fedato, sócio de Giuliano Bertolucci.

Fedato virou titular de 30% dos direitos econômicos de Mayke um dia depois de o jogador fazer novo contrato de trabalho com o Cruzeiro (que permaneceu com 70%) no final de 2013, época em que terceiros ainda poderiam deter direitos de atletas. Na época, a compra dos 30% de Mayke (cedidos pelo próprio jogador) custou a Fedato R$ 300 mil. E o Cruzeiro desembolsou R$ 700 mil por 70% de Mayke.

No ano passado, Beto Fedato foi procurado pela reportagem do GloboEsporte.com para comentar o assunto, mas, por meio da assessoria, informou que "nos contratos existem cláusulas de confiabilidade, então essas informações devem ser checadas e confirmadas pelos clubes que você (repórter) citou".

A ADS tem percentuais do lateral desde quando ele estava na base cruzeirense. Em 2010, firmou contrato com o Cruzeiro, dividindo os direitos econômicos do jogador. Nele, a ADS ficou com 30%, enquanto o Cruzeiro com 70%. O contrato de Mayke iria até 30 de novembro de 2013. Em 12 de agosto de 2013, o Cruzeiro enviou um e-mail à ADS, formalizando o que as partes haviam conversado em reunião e questionando se a empresa gostaria de readquirir os 30% dos direitos de Mayke, afirmando que o contrato de trabalho de Mayke com o Cruzeiro se encerraria em 30 de novembro de 2013.

No processo, a ADS tratou a ação do Cruzeiro como “ardilosa e premeditada”. Segundo a empresa, o Cruzeiro distorceu a interpretação do texto do primeiro contrato e deixou a vigência do acordo de trabalho desportivo havido com o atleta encerrar para, logo em seguida, assinar a renovação contratual.

Mayke renovou o contrato com o Cruzeiro em 3 de dezembro de 2013, com o clube mineiro pagando R$ 700 mil em 36 parcelas por 70% dos direitos econômicos, com os 30%, que pertenciam à ADS, ficando nas mãos de Mayke. A empresa de engenharia não é citada no contrato.

Um dia depois, Mayke celebrou um contrato com o empresário Beto Fedato, cedendo os 30% que detinha direito por R$ 300 mil. Assim, na negociação de renovação, o jogador fez jus a R$ 1 milhão. A ADS questionou na Justiça os direitos que detinha sobre Mayke e, após um longo processo aberto em 2014, obteve decisão favorável e definitiva em 2016, de que tinha direito aos 30% dos direitos econômicos do jogador.

Agora, a discussão na Justiça é sobre o pagamento do valor à empresa. O processo entre a ADS e o Cruzeiro segue na 15ª vara cível de Belo Horizonte. E aguarda marcação de nova "Audiência de Instrução e Julgamento", na qual é prevista a oitiva de testemunhas sobre o contrato da venda de Mayke ao Palmeiras.