Apesar de sua importância para a compreensão de fenômenos relacionados à eletricidade atmosférica, como os raios, e de ter dado origem a tecnologias como a da fotocópia, a área da eletrostática permanecia praticamente estagnada até a última década em razão da falta de novas teorias e técnicas experimentais que permitissem identificar e classificar adequadamente quais entidades, íons ou elétrons conferem carga aos materiais, afirmam especialistas da área.
Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Materiais Complexos Funcionais (Inomat) - um dos INCTs apoiados pela FAPESP em conjunto com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo - tem feito descobertas que contribuem para o avanço nesse campo.
Alguns dos principais resultados de pesquisas realizadas no Inomat foram apresentados durante o Simpósio Brasil-China para Colaboração Científica - FAPESP Week Beijing em Beijing, na China.
O evento conjunto com a Peking University (PKU, na sigla em inglês), reúne até amanhã (18) pesquisadores dos dois países para discutir estudos nas áreas de Ciência dos Materiais, Meio Ambiente, Energias Renováveis, Agricultura, Ciências da Vida, Medicina e Saúde, com o intuito de fomentar a colaboração científica.
"Os novos modelos de distribuição de carga eletrostática têm aberto possibilidades para o desenvolvimento de materiais que não apresentam problemas atribuídos à eletrização, como incêndio espontâneo, por exemplo", disse Fernando Galembeck, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Inomat.
"As descobertas na área ainda poderão contribuir, no futuro, para a geração de energia", avaliou Galembeck, que também é diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNANO), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Os pesquisadores do grupo de Galembeck no Inomat descobriram nos últimos anos que a água na atmosfera pode adquirir cargas elétricas e transferi-las para superfícies e outros materiais sólidos ou líquidos.
Por meio de um experimento em que utilizaram minúsculas partículas de sílica e de fosfato de alumínio, os pesquisadores demonstraram que, quando exposta à alta umidade, a sílica se torna mais negativamente carregada, enquanto o fosfato de alumínio ganha carga positiva.
A descoberta da eletricidade proveniente da umidade - denominada pelos pesquisadores brasileiros de "higroeletricidade" - foi descrita em um artigo publicado em 2010 na revistaLangmuir, da Sociedade Norte-Americana de Química.
Segundo Galembeck, a descoberta abriu caminho para o desenvolvimento de "água eletrizada" - com excesso de cargas elétricas -, em condições bem definidas, que pode ser útil ao desenvolvimento de sistemas hidráulicos.
"Em vez da pressão, o sinal utilizado em um sistema hidráulico com base na água eletrizada poderia ser o potencial elétrico, mas com corrente muito baixa, da própria água", explicou.
Outra possibilidade mais distante seria o desenvolvimento de dispositivos capazes de coletar eletricidade diretamente da atmosfera ou de raios. "Fizemos algumas tentativas nesse sentido, mas não obtivemos resultados interessantes até agora", contou Galembeck. "Mas essa possibilidade de captar a eletricidade da atmosfera existe e já descrevemos um capacitor carregado espontaneamente quando exposto ao ar úmido."
Triboeletrização
A mais recente contribuição do grupo de pesquisadores do Inomat para o avanço do conhecimento sobre a eletrostática foi desvendar alguns dos mecanismos envolvidos na triboeletrização ou geração de eletricidade por atrito.
Considerada o fenômeno eletrostático mais comum, a triboeletrização era mal compreendida e começou a ser mais bem estudada a partir do fim da década de 1990, contou Galembeck.
Por meio de experimentos com politetrafluoretileno - um tipo de polímero isolante -, os pesquisadores brasileiros demonstraram que o atrito entre as superfícies de materiais condutores (dielétricos) produz padrões fixos e estáveis de cargas elétricas com uma distribuição não uniforme nas duas faces do material.
De acordo com Galembeck, a descoberta desmistificou a ideia de que materiais como vidro, fibra sintética, lã e alumínio têm tendência a adquirir somente carga positiva ou só negativa quando atritados.
Em um artigo publicado em agosto na Scientific Reports - revista de acesso aberto do grupo Nature - o grupo brasileiro demonstrou que, em alguns casos, o principal componente do atrito é justamente a triboeletrização. "A triboeletrização cria interações entre os materiais que aumentam ou até diminuem o atrito", disse Galembeck.
Segundo ele, a descoberta pode contribuir para o desenvolvimento de materiais mais resistentes aos desgastes ocasionados pelo atrito, tais como lona de freio e o pneu dos automóveis, ou com menor consumo de energia.
"Estima-se que 30% de toda a energia produzida no mundo seja dissipada ou jogada fora por causa do atrito", afirmou Galembeck. "Se conseguíssemos controlar o atrito dos materiais, seria possível consumir menos energia do que usamos hoje."
Fonte: Agência Fapesp