Somente hoje, cerca de 1,3 milhão de brasileiros devem acender um cigarro de maconha. Considerada mais leve em relação a outras drogas ilícitas, a erva ganha popularidade e apoio, a ponto de um juiz do Distrito Federal ter considerado sua proibição inconstitucional em decisão divulgada na semana passada, mas já modificada em instância superior. Um balanço do Centro Mineiro de Toxicomania (CMT), porém, lança alerta sobre os riscos do vício em maconha para uma parte dos usuários. Segundo dados do CMT, principal centro de atendimento a dependentes de álcool e outras substâncias do estado, o percentual de pessoas tratadas no centro por causa de efeitos negativos da erva saltou de 6,7% do total de pacientes, há quatro anos, para a casa dos 10% em 2012 e 2013 - álcool e crack lideram o ranking.
Quantidade de usuários da erva aumentou/ Foto: reproduçãoPara a instituição, o crescimento do percentual de pessoas que recorreram a tratamento para abandonar a maconha está relacionado ao debate mais intenso em torno da legalização, o que deixaria usuários mais confortáveis para buscar ajuda. "O ambiente do debate permite uma circulação de informações e opiniões que antes estavam caladas. Permite que o assunto seja discutido além da questão policial e, assim, as pessoas se sentem mais à vontade para pedir ajuda", considera o coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa do CMT, Gustavo Cetlin. Em 2012 e 2013, 189 pessoas procuraram a instituição para tentar abandonar o vício. Em 2010, havia 63 dependentes tentando parar de fumar maconha.
Para alguns especialistas e pacientes, a circulação de uma maconha mais forte, por vezes misturada com outras substâncias, como o crack, também pode estar contribuindo para o fenômeno. "Antes, a erva era mais natural, mas agora perdeu o sabor por causa da química." Quem compara é o carpinteiro Samuel da Silva Mariano, de 46 anos. Ele frequenta a Casa Azul, local de acolhimento de usuários de drogas no Bairro Novo Cachoeirinha, na Região Noroeste de Belo Horizonte. Samuel conta que experimentou maconha ainda criança e nunca mais conseguiu largá-la. "Parti para a cocaína, crack, LSD e outras drogas. Consegui me livrar de todas depois, mas não consigo sair da maconha", afirma.
No caso do administrador de empresas E., de 28, a luta é para se manter longe da erva. Com apoio da família, ele começou o tratamento há um ano para abandonar o vício, que mantinha desde os 13. Nos últimos anos, ele fumava três cigarros por dia. "Sempre falei que maconha era tranquilo, mas não é. É pesada, te congela no tempo. O que tento agora é achar a realidade, sair da estaca zero", descreve. O passado não lhe traz orgulho. Foi reprovado duas vezes no colégio, levou 10 anos para concluir a graduação e manteve por muito tempo um relacionamento conflituoso com a família. "A maconha acabou influenciando muito nisso. E acabei experimentando LSD. Tive síndrome do pânico e depressão", conta E.
Dependência
O psiquiatra Valdir Ribeiro Campos, da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e Uso de Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais, sugere que a procura por tratamento pode estar associada a um maior grau de dependência. "A maconha da década de 1960 não pode ser comparada à de hoje, que tem níveis mais altos de tetrahidrocanabinol (THC). O poder de vício é maior", afirma o médico, que tem registrado aumento do número de jovens que procuram tratamento em seu consultório, a maioria usuários de maconha. Ele cita o estudo "Abuso e dependência da maconha", da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Sociedade Brasileira de Cardiologia, que apontou que a concentração do THC em amostras de maconha está 30% maior do que há 20 anos.
Entre ativistas que defendem a legalização, a possibilidade de que parte da maconha vendida irregularmente esteja mais forte, o que contribuiria para busca maior por tratamento, reforça a necessidade de regulamentação. "O mercado ilegal é que entrega produtos não controlados. Com a legalização, o estado poderia criar uma agência reguladora garantindo a distribuição de produtos certificados", defende Thiago Vieira, do Movimento pela Legalização da Maconha (MLM), que integra também a Rede Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas (Renca). Para Gustavo Cetlin, do CMT, na hora de tratar a dependência, é mais importante entender cada usuário do que discutir a potência da droga. "É preciso entender o contexto em que a droga é usada", diz. O especialista afirma que há usuários de maconha que conseguem manter mais laços afetivos com família e trabalho. "As outras drogas trazem mais isolamento social", afirma. Vaivém na justiça Um juiz do Distrito Federal absolveu um homem flagrado com 51 trouxas de maconha no estômago ao entrar no Complexo Penitenciário da Papuda. O magistrado Frederico Ernesto Cardoso Maciel considerou que a droga é "recreativa", julgou incompleta a portaria do Ministério da Saúde que inclui o tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da droga, entre as substâncias entorpecentes e avaliou a proibição como "fruto de uma cultura atrasada". O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reverteu a decisão na quinta-feira. Há duas semanas, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse considerar a droga não mais perigosa que o álcool ou o tabaco. A erva no Brasil 7% dos brasileiros adultos já experimentaram maconha (8 milhões de pessoas) 42% do total (3,4 milhões de pessoas) saram no último ano 37% do total (1,3 milhão) são dependentes
Fonte: Levantamento Nacional do Consumo de Álcool e Drogas (Lenad/Unifesp)
Fonte: Estado de Minas
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