O Superior Tribunal Militar (STM) nesta quinta-feira, 29, julgou, o recurso dos militares condenados pela morte de um músico e um catador de latinhas no Rio de Janeiro, ao realizarem 257 disparos em direção ao veículo, dos quais 82 tiros acertaram o veículo em que uma das vítimas estava.
A corte reuniu 15 ministros para participar do julgamento, dentre eles ministros da hierarquia militar e da hierarquia civil.
A defesa pede a absolvição de todos os militares envolvidos alegando ser 'impossível' que eles tivesse adotado outra atitude, pois estariam em um contexto de susposto conflito com traficantes.
Durante o julgamento desta quinta-feira, 29, que durou mais de 7 horas, a defesa, na pessoa do Dr. Rodrigo Henrique Roca Pires pediu a anulação do do processo e alegou a legítima defesa dos acusados considerando-se que, naquele mesmo dia, foram expostos e diversos conflitos com traficantes naquela região e que o veículo da vítima era muito parecido com o utilizado por criminosos em um assalto momentos antes próximo ao local em que estavam.
"Desafortunadamente, Vossas Excelencias, há vítimas? Mas isso é uma fatalidade. Lamentavelmente há vítimas. Só não precisa ter dez"
No processo no advogado de defesa justifica também a quantidade de disparos realizados, 257 segundo a perícia:
"Esta não deve impressionar, tendo em vista que se tratou de uma situração envolvendo uma viatura com 12 militares, que acreditavam estar sofrendo um novo ataque por elementos que imaginavam estar armados, ante o confronto armado ocorrido com os assaltantes minutos antes."
Ja o Ministério Público Militar, pediu que fosse mantido as penas para os oito militares que dispararam no dia do ocorrido:
"Todos que deflagraram disparos de arma de fogo concorreram para a morte de Evaldo e de Luciano e para os ferimentos de Sérgio e, com base na prova segura dos autos, inexistindo causa apata a juridicamente justificar suas condutas, devem ser condenados pelos crimes de homicídio."
Durante o julgamento o Dr. Antonio Pereira Duarte salientou que nenhuma disparo foi realizado em direção aos militares e que a vítima foi morta com um tiro nas costas, portanto, sem qualquer chance de defesa.
CONCLUSÃO
O relator do processo, Ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, destacou que, a perícia contraria a última das quatro versões apresentadas pelos militares, no tocante de não ter havido troca de tiros, portanto somente os envolvidos atiraram.
Também ficou provado que as vítimas não apresentavam risco para os oficiais conforme foi alegado na primeira versão dos acusados.
No entanto ao londo do debate entre os ministros, levantou-se a questão sobre a hierarquia militar envolvida na situação, já que tanto o oficial de maior patente, que foi quem deu a ordem, quanto os de patenta mais baixa, receberam a mesma sentença, o que na visão de alguns dos ministros não seria o mais justo a se fazer.
A Ministra Elisabeth Guimarães pediu vista do processo, o que significa que ela quer analisar novamente o processo antes de dar o voto.
Com isso uma nova audiência será marcada e há a possibilidade de uma futura redução de pena.
O relator propôs a absolvição dos militares pela morte de Evaldo e a qualificação do homicídio de Luciano Macedo como culposo - ou seja, sem intenção de matar. Além disso, reduziu consideravelmente as penas que haviam sido determinadas no julgamento em primeira instância.
As novas penas surgeridas são de 3 anos e 10 meses em regime aberto para o Tenente Ítalo da Silva Nuves, que era o responsável pela operação e 3 anos e 2 meses em regime aberto para os outros sete militares condenados.
RELEMBRE O CASO
Em abril de 2019, o músico de 51 anos, Evaldo dos Santos Rosa dirigia o carro com a família pela zona oeste do Rio de Janeiro em direção a um chá de bebê em Guadalupe, zona norte.
Ao passar pela região da Vila Militar, em Guadalupe, foram cercados por militares que, efetuaram 257 disparos entre fuzis, armas 9mm entre outras cujo calibre que não foi possível determnar na perícia, do total de disparos, 82 tiros atingiram o veículo.
O filho de Evaldo, na época com 7 anos, e sua esposa, não se feriram, o pai dela foi ferido. Um pedestre que passava no local, também foi atingido com 11 tiros ao tentar ajudar a família e morreu dias depois. Evaldo morreu na hora com um tiro de fuzil nas costas.
Os militares não prestaram socorro às vítimas, mesmo depois dos pedidos de socorro das vítimas e das testemunhas, se limitando fazer o reconhecimento da área e a tentar manter as testemunhas afastadas.
Foi necessário que a Polícia Civil realizasse a perícia no local porque os militares tiveram dificuldades, devido à revolta das diversas testemunhas civis.
Na ocasião, o delegado responsável pelo caso, Leonardo Salgado, da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro declarou que "tudo indica" que os militares do Exercito que assassinaram Evaldo, atiraram contra o veículo após "confundir" o carro com o de assaltantes.
Os militares envolvidos, num primeiro momento, foram levados para depor na delegacia militar e não na civil.
Mais tarde, o próprio Comando Militar do Leste (CML) negou ter atirado contra uma família e afirmou:
"Ao avistarem a patrulha, os dois criminosos, que estavam a bordo de um veículo, atiraram contra os militares, que por sua vez responderam à injusta agressão. Como resultado, um dos assaltantes foi a óbito no local e o outro foi ferido, sendo socorrido e evacuado para o hospital"
Essa versão foi, desde o primeiro momento, contestada por uma amiga da família que também estava no carro e sobreviveu ao ataque. Segundo ela, mesmo após todos terem saído do carro e os militares terem visto que um criança estava no local, e ainda, que ninguém teve ato de agressão, eles continuaram a atirar. O relato foi confirmado também pelos civis que testemunharam o caso, já que a ação ocorreu em plena luz do dia em uma região movimentada.
Ainda nesse mesmo dia, no período da noite o CML divulgou outra nota na qual informava que o caso seria investigado pela Polícia Judiciária Milicar com a supervisão do Ministério Público Militar.
Posteriormente o Comando Militar do Leste divulgou que dez, dos doze militares envolvidos na ação, foram presos.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) enviou ofícios exigindo explicação ao, na época, governador Wilson Witzel. A questão causou uma tensão entre civis e militares com relação a questões raciais pela quais o Rio de Janeiro há muitos anos é um dos Estados onde mais negros morrem em ações policiais, chegando a 87,3% das pessoas mortos nessas ocasiões são negros e a questão fica ainda mais evidente quando se analisa o perfil econômico e geográfico dessas pessoas.
Nas versões apresentadas pelos acusados houve o argumento que as vítimas teriam trocado tiros com os oficiais, que as vítimas eram ligadas ao tráfico de drogas e, posteriormente, que tudo teria sido um infeliz engano já que o carro das vítimas da mesma cor e modelo de um utilizado por criminosos que entraram em conflito pouco antes.
No entanto a perícia e recostituição da cena do crime contestam a tese da defesa, pela quantidade de tiros e posicionamento das perfurações e ferimentos das vítimas, relatos das testemunhas dentre outros dados técnicos.
Dois anos e meio depois, os doze acusados foram julgados pelo Tribunal de Justiça Militar.
Na denúncia o Ministério Público afirmou que "a ação injustificada dos militares, além de ter causado a morte de dois civis e atentar contra a vida de outro, expôs a perigo a população local de área densamente povoada".
A Justiça condenou oito deles, os quais receberam penas que variam entre 28 a 31 anos de prisão. Os outros quatro militares não dispararam suas armas e, por isso, foram absolvidos, porém, todos os condenados respondem em liberdade.
No entanto, além dessa ação, outras três foram levadas à Justiça, uma delas para que a União pagasse pensão ao filho do casal, o que foi acatado em 2020 com base no emprego de florista que Evaldo tinha, o único de carteira assinada, com renda comprovada, o que, portanto, não levou em consideração sua maior renda como músico e como segurança.
O outro civil morto na ação, trabalhava como catador e portanto não tinha comprovação de renda.
Posteriormente, um acordo foi feito entre a Advocacia-Geral da União e a família de Evaldo, no qual estipulou-se o pagamento de indenização no valor R$ 2 milhões de reais e mais a pensão no valor de um salário mínimo e meio.
Acontece que a Advocacia-Geral da União, em 16 de janeiro de 2024, entrou com um processo na Justiça Federal do Rio de Janeiro contra os oito militares condenados para tentar ressarcimento pelos acordo com as famílias no valor de R$ 3,5 milhões.
Fotos: Reprodução/Superior Tribunal Militar