O primeiro presidente negro da história dos EUA subirá as escadas do Memorial Lincoln, em Washington, na quarta-feira, para falar do mesmo local onde há quase 50 anos o reverendo Martin Luther King proferiu o mais célebre discurso do movimento pelos direitos civis do país: "Eu tenho um sonho".
A eleição de Barack Obama é um dos mais potentes símbolos de que ao menos parte do sonho de King foi realizada, com o fim da segregação institucional e a emergência econômica de muitos negros. Mas, apesar dos avanços, as estatísticas e a geografia humana mostram que continua a existir um abismo econômico e social no país, que se agravou depois da crise que começou em 2008.
Os negros são mais pobres, têm acesso limitado à educação de qualidade, enfrentam maior probabilidade de serem presos e vivem com índices de desemprego cronicamente elevados.
No dia 28 de agosto de 1963, King falou a uma multidão de 250 mil pessoas na Marcha sobre Washington por Empregos e Liberdade, o maior ato do movimento pró-direitos civis. "Eu tenho um sonho de que um dia meus quatro filhos pequenos poderão viver em uma nação onde eles não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pela essência de seu caráter", disse King.
Cinquenta anos depois, continua a existir uma forma de divisão mais insidiosa, não expressa em lei, o que levou o Economic Policy Institute a se referir ao protesto de 1963 como "A Marcha que Não Acabou".
Em 2011, o porcentual de negros vivendo abaixo da linha da pobreza era de 28%, quase três vezes mais do que os 9,8% registrados entre os brancos. "O lento progresso na luta contra a pobreza e a segregação racial ajudaram a concentrar muitos negros em alguns dos menos desejados imóveis residenciais, nas comunidades com menos recursos", afirma o estudo do Economic Policy Institute.
Não existem mais regiões exclusivamente brancas, mas a segregação geográfica ainda é visível. Os negros representam 50,7% da população de Washington, a capital americana. No entanto, eles são minoria nas regiões mais ricas, dominadas pelos brancos, e se concentram em áreas de renda baixa com imóveis de menor valor. Em alguns bairros, como Anacostia, os negros são mais de 90% da população.
As celebrações dos 50 anos da manifestação começaram sábado com um ato convocado por sindicatos e organizações de defesa dos direitos civis. "Nós continuamos lutando hoje, 50 anos depois de Martin Luther King proferir o discurso", disse Oten Wyatt Jr., representante da United Auto Workers (UAW), que reúne trabalhadores da indústria automobilística.
Como há 50 anos, um dos principais tópicos do ato de sábado foi a criação de empregos. Nesse terreno, os negros têm permanecido historicamente em desvantagem em relação aos brancos, com porcentuais de desemprego que seriam característicos de períodos recessivos.
Nas últimas cinco décadas, o índice médio de desocupação entre os brancos foi de 5,1%, menos da metade dos 11,6% dos negros. No mês passado, os indicadores eram de 6,6% e 12,6%, respectivamente.
Os mecanismos de reprodução da desvantagem social dos negros são agravados pelos sistemas judicial e prisional. Estudo da American Civil Liberties Union afirma que a raça ainda é um critério usado pela polícia. Segundo a entidade, usuários de maconha negros têm 3,75 vezes mais probabilidade de serem presos do que os brancos. O mesmo padrão se repete em outros tipos de delitos, segundo a organização.
Em consequência desse movimento, os negros têm uma presença desproporcional na população carcerária. Apesar de representarem 13,6% dos habitantes do país, eles são 38% do total dos detentos.
O primeiro presidente negro dos EUA mantém no Salão Oval da Casa Branca uma cópia emoldurada do programa da Marcha sobre Washington. Na quarta-feira, ele estará no Memorial Lincoln, ao lado dos ex-presidentes Bill Clinton e Jimmy Carter, com o desafio de revigorar o sonho de Martin Luther King em um cenário de segregação econômica e baixos índices de crescimento.
Fonte: Agência Estado