Episódios como a prisão de dezenas de jornalistas e a tomada à força de meios de comunicação por forças policiais têm colocado a Turquia em uma posição incômoda do ponto de vista da democracia e da liberdade de imprensa, denunciam profissionais de mídia e órgãos sindicais turcos. O caso mais recente foi a invasão do maior jornal do país, o Zaman, bem como da agência de notícias ligada ao grupo, a Cihan, por tropas policiais leais ao presidente Recep Tayyip Erdogan, no dia 4 de março deste ano. Ambos seguem sob intervenção estatal e grande parte dos jornalistas foi demitida.
No momento, há 32 jornalistas presos e 1.843 processos abertos pelo governo contra profissionais de imprensa acusados de insultar o presidente, de acordo com a presidenta da Associação de Jornalistas da cidade de Izmir, uma das maiores do país, Misket Dikmen.
"Queremos ajuda internacional para a nossa situação. A imprensa na Turquia, como nunca aconteceu na nossa história, está sob pressão intensa. Os veículos estão sendo controlados pelo governo e muitos jornalistas estão sendo demitidos. Acreditamos que uma sociedade onde a imprensa não é livre não se pode falar em democracia. Isto é uma questão contra os direitos humanos, pois o direito à informação é um deles", disse Misket, na sede da associação.
Segundo ela, os recentes atentados que atingiram a Turquia, creditados aos grupos terroristas Estado Islâmico e PKK, de origem curda, não podem servir como desculpa para implantar a censura.
"Na verdade, existe uma coisa que é mais perigosa, que é a autocensura. Muitos jornalistas estão presos, alguns há mais de um ano, e os julgamentos nem começaram", denunciou Misket que, há 15 anos, comanda a associação dos jornalistas.
Chantagem
Para o jornalista Mumtazer Turkone, que perdeu o emprego no jornal Zaman, o governo turco opera um tipo de chantagem com os países europeus. Em troca do abrigo aos refugiados sírios - retidos na Turquia para não saírem em massa para a Europa -, o país conta com o "silêncio" das nações europeias que não denunciam com veemência o atentado à liberdade de imprensa.
"O nosso governo está chantageando a Europa, que está vendendo nossa liberdade em troca dos refugiados. Não temos esperança de que os democratas europeus vão apoiar nossa liberdade de imprensa", disse Mumtazer, que é formado em ciência política e é professor de direito na Universidade de Fatih, em Istambul.
O jornalista conta que está sendo processado pelo governo turco por causa de um texto publicado em setembro de 2015. O juiz do caso, segundo ele, determinou uma pena de quatro anos de prisão. Turkone destaca que, desde 2014, quando uma lei determinou que os juízes fossem subordinados ao Ministério da Justiça, não há mais independência no Judiciário do país.
Ele diz que não temer o futuro, mesmo com a possibilidade de prisão. "Eu estou furioso e sem esperanças, mas não tenho medo. Já estive preso por dois anos, 30 anos atrás, durante a ditadura militar. A diferença é que os militares ameaçavam com armas. Agora, ameaçam as pessoas com motivos econômicos, pois elas podem ficar sem emprego ou ter que deixar o país".
Novo jornal
Outro jornal que sofreu intervenção estatal foi o Bugün (Hoje) que tinha circulação de 110 mil exemplares por dia até o ano passado. Depois da tomada pela polícia e da adoção de uma linha editorial governista, o jornal passou a vender 4 mil exemplares e foi obrigado a fechar. O grupo também perdeu dois canais de televisão e uma rádio.
Os jornalistas que trabalhavam no Bugün resolveram fundar outro jornal, o Özgür Düsunce (Pensamento Livre), veículo mais modesto, que funciona em um prédio antigo, na periferia de Istambul. Os recursos para a empreitada vieram do bolso do próprio editor-chefe, Mehmet Yilmaz, que investiu suas economias para dar vida ao jornal.
"Aqui não existe um patrão. Chamamos os amigos demitidos para trabalharmos juntos. Aqui, virou uma família. Este jornal é um símbolo da luta por democracia pela sociedade civil. Pela primeira vez na nossa história, um governo tomou conta dos jornais usando a força. Talvez o governo tome conta desta redação também. Se isto acontecer, vou pegar o meu paletó e fundar outro jornal", disse Yilmaz.
Segundo ele, o governo pressiona empresas a não anunciarem no Özgür e também dificulta a circulação do jornal, fazendo pressões sobre as distribuidoras que levam os jornais aos assinantes e às bancas.
Muitos desses veículos, especialmente o grupo Zaman, eram ligados ao Movimento Hizmet, inspirado no líder religioso e intelectual turco Fethullah Gülen, auto-exilado nos Estados Unidos, após divergência política com o governo turco. No país, o Hizmet é considerado o maior movimento organizado da sociedade civil.
Posição oficial
O governo da Turquia, por meio da Embaixada no Brasil, informou que o país é democrático e governado pela lei, sendo garantida a independência do Judiciário pela Constituição. Disse também que a proteção e a promoção dos direitos humanos está entre os objetivos primordiais do país.
"A este respeito, liberdade de expressão e de imprensa constituem um importante pilar das políticas de direitos humanos da Turquia. É uma liberdade fundamental, garantida pela Constituição", sustentou a embaixada, por e-mail.
A representação turca defendeu também que o país tem uma comunidade jornalística vibrante, ativa e plural. Sustentou que nos últimos anos houve uma série de reformas judiciais, alinhadas com as tendências internacionais e princípios para a proteção e promoção da liberdade de expressão e de imprensa.
"Na implementação dessas reformas, também atentamos para garantir os direitos pessoais e o direito à privacidade, tentando preservar o equilíbrio entre liberdade de expressão e de imprensa, por um lado, com os direitos individuais e o direito pela privacidade, por outro."
Com relação à intervenção do governo sobre o grupo editorial Zaman, a embaixada destacou que a nomeação de interventores é resultado de decisões jurídicas, em processos realizados por um Judiciário independente. "Os interventores foram designados por decisão do Escritório de Juízes Criminais de Istambul. A Corte baseou sua decisão em investigações em curso ligadas ao terrorismo."
Quanto aos jornalistas presos no país, a embaixada afirmou que, "ao contrário do que tem sido dito, essas pessoas foram acusados por sérios crimes (como serem membros de organização ilegal ou terrorista), que não estão relacionados com o trabalho de jornalista".
Fonte:Agência Brasil